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Financiamento direto é estratégia da Tecnisa

12-02-2009 12:27

 

Financiamento direto é estratégia da Tecnisa

Gazeta Mercantil, 12/fev -

 

 

Carlos Alberto Julio liga a televisão que fica ao lado de sua mesa. Na tela, as cotações das empresas do mercado imobiliário oscilam de vermelho para azul e de azul para vermelho. Preocupado, o presidente da Tecnisa disca quatro dígitos para saber o motivo da queda brusca das ações da Rossi. A resposta é intrigante: nada. "É por isso que eu digo que não dá para entender esse mercado de capitais", brinca.

 

Se no mercado de capitais a empresa patina entre altas e baixas, no mercado real a meta para este ano é, no mínimo, manter os bons números de 2008. "Mas acho que temos espaço para crescer", acredita. A incorporadora fechou o ano passado com R$ 1,18 bilhão em vendas e R$ 1,5 bilhão em lançamentos. Para atingir essa expectativa, a Tecnisa aposta no financiamento direto com os compradores, porque as taxas cobradas pelos bancos estão exageradas. "Já fazíamos isso de forma passiva, mas este ano vai ser uma prática ativa."

 

Gazeta Mercantil - Qual balanço o senhor faz do seu primeiro ano como CEO da empresa?

 

Completou um ano que sou CEO da Tecnisa em janeiro. Antes de assumir o cargo, passei dois anos no conselho da empresa e, ao mesmo tempo, fui presidente da HSM. Sempre fui um executivo um pouco fora da curva, porque há 29 anos eu me dedico também à vida acadêmica e à pesquisa. A Tecnisa é uma empresa que vinha crescendo bem há muito tempo. Em dois anos, pulamos de R$ 200 milhões para R$ 1,5 bilhão em lançamentos. Foi nesse contexto que o Meyer [Meyer Joseph Nigri], o acionista controlador e presidente do conselho, me pediu ajuda para tentar manter o mesmo crescimento. Com isso, diminui, é claro, as minhas atividades acadêmicas, mas não totalmente. Eu acredito muito que a teoria funciona muito na prática, e eu sou uma pessoa que vem do mundo para a prática para a academia.

 

Gazeta Mercantil - Como o senhor avalia a atuação da incorporadora no ano passado?

 

Nós tivemos um ano muito, muito bom. Na verdade, fomos uma das poucas incorporadoras que entregaram exatamente o que prometeram, talvez porque o pessoal prometeu muito acima da expectativa. A gente se guia pelo caixa. Terminamos o ano com R$ 1,18 bilhão em vendas, e prometemos R$ 1,1 bilhão. Em valor geral de vendas (VGV) tínhamos prometido R$ 1,5 bilhão e cumprimos. Mas acho que mais importante do que isso é o que aconteceu em dezembro. Nesse mês, nós lançamos seis empreendimentos e vendemos uma média de 30% das unidades, ou seja, no total foram vendidas umas mil unidades. Vender mil imóveis no escopo de trabalho da Tecnisa que é a classe média média - com preços em torno de R$ 300 mil - é um volume muito bom. O melhor é que já vendemos quase 300 unidades em janeiro, que tipicamente é um mês de férias, em que as pessoas viajam e não estão necessariamente pensando em comprar apartamento. A conclusão é de que há realmente uma crise financeira, mas o mercado continua bastante promissor e ativo.

 

Gazeta Mercantil - Qual é a expectativa para 2009?

 

Com toda essa crise, a nossa meta para este ano é ser ainda mais cuidadoso, mas sem pisar no freio. Vamos, então, no mínimo, manter os mesmos números de 2008. Mas eu acho que existe brecha para crescer um pouco, algo em torno de 5% a 10%, até porque em janeiro a gente cresceu. O que eu não quero é jogar números para o mercado durante essa nebulosidade toda. Também acho uma irresponsabilidade divulgar dados de lançamento e de vendas, como a gente fez no ano passado. Isso não significa que a gente não tenha os números para incentivo interno. E se nos anos anteriores nós focamos muito em lançamento, este ano vamos focar em vendas. Então, a área comercial está mais cuidadosa. Eu pedi para o nosso diretor comercial pegar projeto por projeto para montar uma estratégia para cada um. Temos mais de 52 canteiros de obra e 70 torres.

 

Gazeta Mercantil - Quais consequências da crise já podem ser percebidas?

 

Nós tivemos um dezembro ótimo. Mas foi uma velocidade de vendas menor que tinha no início do ano? Sim, mas qual é o problema? O anormal é o que acontecia antes, você fazia um lançamento e vendia tudo em um fim de semana. Vender duas torres com 200 unidades em um fim de semana? É anormal. O normal é vender ao longo de um ou dois meses. A boa notícia da história é que mesmo com a queda da velocidade de vendas, ela continua muito maior do que era há dois, três anos. Se o mercado antes do boom estava a 100, multiplicou para 300. Mesmo se cair 20%, nem assim vai voltar ao patamar inicial. Muitos concorrentes pisaram no freio, estão lançando menos. Mas veja bem: o mercado está maior e o concorrente, com medo da crise, pisou no freio. Consequentemente, sobrou mais mercado.

 

Gazeta Mercantil - Mas eles também colocaram o pé no freio por causa do caixa...

 

É verdade. É uma conjugação de mercado e caixa. Poderíamos lançar este ano muito mais do que vamos lançar? Sim, mas temos de levar em conta as pré-condições, e uma delas é o mercado, outra que a gente não lança nada que não esteja 100% assegurado. Isso é muito sério. Até a entrega das chaves, a incorporadora é uma poupança. Então, o cliente tem que olhar para a Tecnisa como ele olha para um Bradesco, por exemplo. Todos os meses o casal paga R$ 2 mil para depois de 30 meses receber seu apartamento pronto. Quando você entrega as chaves, vê que vendeu um sonho, porque imóvel está muito ligado a essa ideia aspiracional. Então, acontece que ao lançar um empreendimento - mesmo com tudo indicando que vai ser um sucesso - se não tiver linhas de financiamento, é uma falta de responsabilidade. Até o fim da construção a empresa só gasta dinheiro com a compra o terreno, marketing... Então, se a incorporadora não tem dinheiro em caixa ou o financiamento da produção não estiver arquitetado corre um grande risco. Aliás, é um risco que eu adoraria que nenhuma construtora tivesse, porque isso é ruim para o mercado. Não sei se você se lembra do caso da Encol, quando as pessoas perdem confiança no setor. Por isso que é tão preocupante.

 

Gazeta Mercantil - O que mudou depois da turbulência financeira?

 

Antes as pessoas compravam qualquer terreno, e agora estão mais cautelosas. No nosso caso, o landbank sempre foi ajustado para dois ou três anos. Mas algumas empresas acumularam um landbank para 10 anos, e elas nunca vão conseguir lançar e vender todas as unidades no mesmo dia, pelo menos agora não. Outra coisa: as empresas têm preferido fazer imóveis menores, a menos que seja como o nosso que na região só tem ele.

 

Gazeta Mercantil - Vocês estão comprando terrenos ou fazendo permutas?

 

Tem de tudo. Na verdade, nos últimos dois anos tivemos uma corrida para comprar terrenos como se fossem acabar, isso com toda extensão territorial que a gente tem! Obviamente, a maior parte do nosso landbank foi constituído em cima de compras. Agora que estamos passando por um momento que exige zelo decidimos não comprar terrenos. Por isso, os novos projetos estão mais ou menos fechados com permuta financeira ou então fechamos com empresas que querem incorporar junto com a gente. O nosso landbank para os próximos dois e três anos está equacionado, então, o novo terreno tem de ter uma atratividade muito grande ou então permuta, para não desfalcar o caixa.

 

Gazeta Mercantil - Em que situação está o caixa da empresa?

 

O nosso caixa está ajustado para o que vamos fazer, no nosso pipeline. Agora, se a gente quiser crescer, vamos ter de ganhar dinheiro novo, que eu acho que a empresa vai ter. Hoje o dinheiro tem dois problemas: disponibilidade e caixa. O spread é um negócio absurdo. Tanto que está esse bate-boca aí. Quem vende IGP-M mais 18% está muito desesperado, nós não vendemos. Agora, esse é um mercado que estimula a produção de capital e de mão-de-obra. Nós que estamos em obras devemos contratar mais de 800 pessoas. Esse número mais os terceirizados dá uns 8 mil trabalhadores que mexem com pintura e fundações. A média é de um funcionário contratado para 10. O tentáculo social é muito grande.

 

Gazeta Mercantil - As contas estão ajustadas à nova realidade?

 

Para se ter uma ideia, um dos nossos índices é a meta ponderada entre o orçamento e o resultado em obras. A diferença entre eles é de 1,5%. Quando você vai fazer uma obra, tem que fazer um orçamento. No fim da construção, você avalia de quanto foi a diferença. A nossa sempre é mínima. Nem eu acredito quando vejo os números. É sério. Você já fez obra na sua casa? Quando a construção ficou dentro do que você imaginava? Imagina fazer isso com três anos de antecedência. Acompanhamos todo o processo até porque o nosso cliente também corrige o Índice Nacional de Custo da Construção (INCC).

 

Gazeta Mercantil - Vocês vão recorrer aos bancos para conseguir liquidez?

 

As taxas estão exageradamente altas. As empresas têm de se programar para conseguir evitar pegar dinheiro emprestado. Na Tecnisa, por exemplo, proibimos ter recebíveis com as atuais taxas de IGP-M mais 18%. Nós fazíamos o financiamento dos clientes de forma passiva, mas vamos transformar isso em uma prática ativa. Se o comprador toma dinheiro emprestado no banco, paga impostos, a mesma coisa acontece com a empresa. No financiamento direto, nós dois ganhamos ao não pagar os impostos do financiamento bancário. Só as pessoas muito desesperadas é que têm preferido procurar as instituições financeiras.

 

Gazeta Mercantil - De que forma vocês acompanham o mercado de capitais?

 

A gente sempre monitora as empresas e suas oscilações na Bolsa. Mas esses valores não têm muita relação com o que acontece com as empresas. [Rossi está caindo 14%, Júlio liga para os analistas para saber se houve alguma coisa.] Esse mercado é doido, não tem nenhuma notícia sobre a Rossi e as ações despencaram. Por isso a gente precisa monitorar.

 

Gazeta Mercantil - Qual é a solução para manter os funcionários?

 

Escolhemos um grupo de 50 pessoas com grande potencial dentro da empresa. Acontece que muitas vezes essas pessoas estão em setores extremamente especializados. Por exemplo, ao mesmo tempo que temos uma área de arquitetura que desenvolve projetos na Tecnisa, temos o pessoal de engenharia, que fica nas obras, e o de marketing, que fica focado em campanhas. Paralelamente a isso, nós não conseguimos identificar um MBA ou uma pós-graduação específica de incorporação imobiliária. Mas aí é que está. Tudo o que a gente precisa saber está aqui dentro. Só que está separadinho.

 

Gazeta Mercantil - Como funciona exatamente o programa?

 

Escolhemos 50 pessoas, criamos um conteúdo programático, que os próprios funcionários estão ensinando sobre impacto ambiental, a importância de se relacionar com os vizinhos. Os engenheiros precisam entender, por exemplo, que não dá para começar a obra às 7 horas da manhã, enquanto o marketing gasta uma grana para construir o nome da marca. A ideia é o seguinte: enquanto todo mundo está falando em crise e em demissões - e depois ter que correr atrás de novo dos bons profissionais -, nós vamos estudar o nosso negócio, para quando sairmos da crise, passarmos na frente dos concorrentes. Não vamos despedir por causa de uma turbulência, porque depois o custo para trazê-los de volta é enorme. Mas isso só é possível se não prejudicar a saúde financeira da empresa. Não estou criticando quem fez cortes, cada um sabe o tamanho do seu caixa. Mas nós acreditamos que é um investimento tão importante quanto se tivéssemos importado uma máquina. No fundo, no fundo, as incorporadoras vendem conhecimento, vendem know-how de como saber escolher terrenos e saber valorar, saber construir dentro do orçamento.

 

Gazeta Mercantil - Há possibilidade de expandir geograficamente?

 

Outra meta é expandir de forma seletiva. Pesquisamos o potencial de várias cidades e escolhemos 12. Em dezembro, por exemplo, chegamos ao interior de São Paulo, Santos, Fortaleza, Brasília, Salvador, Manaus e Goiânia. Vamos lançar agora em Jundiaí. A nossa taxa de venda média é de 30%. Quando chegamos a praças que ainda não atuamos, fazemos parcerias locais e escolhemos construtoras e mão-de-obra da região.

 

Gazeta Mercantil - Qual é a estratégia de vendas da Tecnisa?

 

A Tecnisa não faz promoções de dar carros ou cozinha mobiliada quando um cliente adquire um apartamento da empresa. Se a gente começar a abrir mão da imagem, aí é que fica mais difícil vender. Hoje a marca tem valor de mercado, como a Lindemberg na década de 1980. É difícil se sobressair nesse mercado tão pulverizado, por isso a marca é tão fundamental. E o nosso diferencial é a qualidade e o foco no produto.

 

 

 

 

 

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