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PAC - MARCHA REDUZIDA

20-02-2009 13:44

 

Marcha reduzida

 PORTAL EXAME-  23.12.2008

Ao contrário do que aponta a avaliação otimista do governo, vários projetos importantes do PAC estão atrasados e a situação pode se agravar com a escassez de crédito no mercado

 

Por Bêni Biston

 

Revista EXAME -  A construção de uma nova avenida de acesso ao porto de Santos é considerada fundamental para resolver um dos mais velhos gargalos de infra-estrutura do país: o congestionamento gigantesco de caminhões que se forma por ali para o desembarque de mercadorias. Na época da colheita da safra de grãos, por exemplo, os caminhões chegaram a formar filas de 20 quilômetros de extensão no local. Em abril de 2007, a solução para o problema finalmente começou a tomar forma, com o início dos trabalhos para a abertura de uma via de 9,2 quilômetros. O novo acesso ao porto custará 55,5 milhões de reais e o projeto foi entregue à Companhia Docas do Estado de São Paulo (Codesp). Segundo as previsões iniciais, tudo deveria ficar pronto em maio de 2009. Esse era o plano. A realidade, porém, é bem diferente. Se tudo correr às mil maravilhas, a obra será entregue até o final de 2009. Em razão de uma série de problemas, porém, a obra não será concluída no prazo. Entre outros imbróglios que geraram o atraso, o traçado da perimetral teve de ser redesenhado para afastar o trânsito de veículos de uma série de imóveis de valor histórico da região, como o Mercado Municipal e o prédio da Alfândega. De acordo com análises dos especialistas, o tráfego de caminhões carregados nas imediações poderia afetar o solo da região e, por conseqüência, a estrutura das construções mais antigas.

A nova avenida para o porto de Santos faz parte do pacote de mais de 2 000 obras incluídas no Programa de Aceleração do Crescimento, uma resposta dada pelo governo às enormes deficiências de infra-estrutura do país. Periodicamente, a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, divulga balanços sobre os trabalhos. No mais recente deles, ocorrido em outubro, o andamento de 83% dos projetos foi classificado como "adequado", e a previsão é que sejam finalizados dentro do prazo previsto no plano. De acordo com a ministra, mesmo com a crise econômica global os empresários estrangeiros com investimentos no Brasil não diminuíram o interesse por obras de infra-estrutura no país. "Nos últimos meses, aumentou o interesse de todos os parceiros, japoneses, ingleses e coreanos. Não vimos arrefecimentos", disse Dilma.

Avaliação otimista

Ainda de acordo com a mesma avaliação, apenas 8% dos projetos do PAC merecem atenção especial ou correm risco de sofrer algum tipo de atraso. Curiosamente, a avenida para o porto de Santos não está incluída entre eles - apesar de os responsáveis pela obra já terem admitido publicamente o atraso na execução. Para o governo, o projeto segue em ritmo "adequado" - ou seja, ele será entregue dentro do prazo previsto. Em resposta aos pedidos da reportagem do Anuário EXAME de Infra-Estrutura para esclarecimento dos critérios usados nessa contabilidade muito particular, a assessoria da Casa Civil limitou-se a enviar uma nota afirmando que o conjunto de avaliações divulgadas nos balanços do PAC "adota um critério transparente e objetivo de avaliação da situação das ações monitoradas que leva em conta o cronograma e os riscos do empreendimento".

Segunda opinião 

O mesmo descompasso entre a avaliação do governo e a realidade se repete em outras grandes obras. Segundo o último balanço do PAC, o projeto do campo do Mexilhão, no litoral de São Paulo, segue num ritmo considerado adequado, mantendo-se a previsão de término dos trabalhos para agosto de 2009. Com investimento estimado em 6,5 bilhões de reais, a obra compreende, entre outras coisas, a perfuração de sete poços de gás, a instalação de uma plataforma fixa e a construção de um gasoduto de 145 quilômetros entre as cidades de Santos e Caraguatatuba, no litoral paulista. De todos esses itens, apenas o gasoduto ficará pronto no prazo determinado. Por causa de problemas na obtenção de licença ambiental e de atrasos no ritmo dos trabalhos de perfuração dos poços, o campo do Mexilhão, na melhor das hipóteses, estará concluído apenas em maio de 2010 - quase um ano após a previsão oficial.

Outro empreendimento do PAC que segue em ritmo adequado na avaliação do governo é a usina de Dardanelos, que será a maior hidrelétrica de Mato Grosso, com capacidade para atender uma população de aproximadamente 600 000 habitantes. Desde o início, o projeto foi cercado de polêmica. O Ministério Público moveu uma ação para barrar a construção argumentando que o reservatório da usina iria ameaçar duas das cachoeiras mais espetaculares da região Amazônica, os saltos de Dardanelos e das Andorinhas. Por determinação da Justiça, as obras foram paralisadas em março - sendo retomadas 20 dias depois, com base numa liminar movida pelo consórcio responsável pelo empreendimento. O caso encontra-se hoje aguardando julgamento na Justiça Federal, e a possibilidade de uma nova sentença contrária à continuidade da obra não está descartada. Até o momento, cerca de 40% do projeto da hidrelétrica foi concluído. Mesmo se a construção não sofrer mais nenhum impedimento na Justiça, a usina ficará pronta apenas em agosto de 2011. A previsão oficial, porém, insiste em afirmar que os trabalhos serão concluídos no início de 2010.

Os atrasos verificados nas obras da nova avenida no porto de Santos, no campo do Mexilhão e na usina de Dardanelos não são casos isolados. A reportagem do Anuário EXAME de Infra-Estrutura checou o andamento de dez projetos importantes previstos para ser entregues entre 2008 e 2009. Oito deles estão atrasados. No setor de aeroportos, por exemplo, entre as 11 obras liberadas para execução, apenas três se encontram em andamento. A situação mais preocupante é a do projeto de ampliação e melhorias de segurança no aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, na Grande São Paulo. Segundo o cronograma original, tudo deveria ficar pronto no final de 2008. Nesse caso, até o governo reconhece que não vai dar. Os trabalhos estão paralisados desde março deste ano e não há possibilidade de ser concluídos antes do início de 2010.

Superfaturamento

A interrupção ocorreu devido a um processo iniciado pelo Tribunal de Contas da União, que levantou suspeitas sobre o superfaturamento da obra. Com base numa amostra de 31 serviços incluídos no projeto, os técnicos do órgão concluíram que havia um sobrepreço de 83,5 milhões de reais apenas nessa parte da reforma. A informação levou o Ministério Público a bloquear uma fatia dos recursos do projeto e a pedir esclarecimentos à Infraero, responsável pela reforma que estava sendo tocada pelo consórcio de empreiteiras Queiroz Galvão, Constran e Serveng. A Infraero defendeu-se alegando que os técnicos do TCU fizeram cálculos equivocados. Até o fechamento deste anuário, o caso seguia sem nenhuma perspectiva de solução. "O impasse gera prejuízos incalculáveis às empresas do setor, que já fizeram investimentos para estar preparadas para um cenário com as futuras modernizações", afirma João Virgílio Merighi, presidente da Associação Nacional de Infra-Estrutura de Transporte.

Entre as áreas consideradas menos problemáticas do PAC em termos de andamento das obras estão as rodovias. Segundo avaliação dos especialistas da Fundação Dom Cabral, dos 2 915 quilômetros previstos pelo programa do governo federal, 53% estão ainda inacabados, mas o ritmo atual dos trabalhos permite projeções otimistas em relação ao cumprimento dos prazos. Um dos projetos da lista, a duplicação e a modernização da BR-101 nos trechos da Paraíba e do Rio Grande do Norte, deve ficar pronto no final de 2009, conforme o cronograma original. É a primeira vez que são feitas melhorias na parte nordestina da estrada em três décadas. Os trabalhos ficaram a cargo do Exército brasileiro e consumirão um investimento de aproximadamente 700 milhões de reais. Até a data de fechamento deste anuário, mais da metade do projeto já havia sido concluída. Outro setor do PAC que contabiliza avanços é o ferroviário. Seguem em bom ritmo projetos como a construção de 504 quilômetros da ferrovia Norte–Sul no trecho de Tocantins, que deve ser concluída até dezembro de 2009, ao custo de 1,6 bilhão de reais. Obras como essa vão permitir a ampliação da malha ferroviária nacional depois de décadas de estagnação.

Os problemas burocráticos e os entraves ambientais não são os únicos fatores responsáveis pelos atrasos nas obras do PAC. Um levantamento recente da ONG Contas Abertas mostrou que, passado um ano do lançamento do projeto, a liberação de verbas do governo federal para as obras ainda vinha ocorrendo a conta-gotas. Desde o lançamento do PAC até maio deste ano, apenas 18% do dinheiro público havia sido gasto. Mantido esse ritmo, o governo federal teria de liberar até o final de dezembro mais de 40 milhões de reais por dia para investir toda a verba prevista para 2008. "A gestão ineficiente de recursos públicos é um dos principais obstáculos para cumprir o cronograma do PAC", afirma Paulo Godoy, presidente da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base.

Crédito escasso

Aos problemas que já paralisam obras importantes, soma-se agora outro complicador: a crise financeira global. O crédito tornou-se mais escasso nos últimos meses, trazendo nuvens escuras ao horizonte do PAC, que prevê investimentos de 504 bilhões de reais, dos quais 60% são de responsabilidade do governo e o restante da iniciativa privada. Num cenário de grande turbulência financeira, as torneiras das verbas correm o risco de se fechar em ambas as fontes - embora o governo federal tenha declarado que os investimentos do PAC serão mantidos. "O dinheiro do governo reservado ao PAC vai competir com as prioridades de outras áreas, enquanto os investidores privados terão muito mais cuidado com os riscos dos empreendimentos que irão encampar", afirma Paulo Tarso Resende, especialista em logística da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte.

A pedido de EXAME, os especialistas da escola de negócios selecionaram os 30 projetos mais importantes do programa de acordo com o potencial das obras para resolver gargalos de infra-estrutura e promover o desenvolvimento econômico regional. Com base nessa lista, os técnicos da Fundação Dom Cabral fizeram projeções sobre a influência da crise financeira global no andamento desses projetos. Todos os casos analisados correm o risco de sofrer atrasos, 70% deles por falta de recursos. Um dos projetos que podem enfrentar esse tipo de dificuldade é o trem-bala que ligará São Paulo ao Rio de Janeiro, uma das prioridades para melhorar a infra-estrutura do país com vistas à realização da Copa do Mundo de futebol em 2014. O trem-bala está entre as obras mais caras do PAC, com custo estimado em 11 bilhões de dólares. O leilão para a concessão da obra estava marcado para março de 2009, mas já foi adiado para o segundo semestre. Mesmo com a mudança de data, a maior parte dos especialistas do setor acredita que haverá atrasos no cronograma em razão da crise atual.

"Nossa avaliação é realista: a maioria dessas obras depende de recursos privados e ninguém tem dinheiro agora, a menos que o governo fabrique dinheiro", diz Resende. Em razão desse diagnóstico, Resende propõe que o governo dê prioridade a alguns projetos, sobretudo os que podem ter impacto positivo no desenvolvimento econômico regional, como é o caso da ferrovia Norte–Sul. "Os investimentos em infra-estrutura podem fortalecer o mercado interno brasileiro, reduzindo os estragos provocados pela queda de exportações para os mercados afetados pela turbulência financeira, como o americano e o europeu", afirma Resende.

Por ora, no entanto, o discurso do governo não admite nenhum tipo de revisão no plano original do PAC. Durante a divulgação do último balanço sobre o andamento das obras, a ministra Dilma Rousseff disse que nenhum dos projetos sofrerá atraso por causa da falta de recursos. No início de dezembro, o governo anunciou um aumento de 132 bilhões de dólares de verbas para o programa até 2010. "Entre os gastos que podem ser revistos, o último em que faremos alguma modificação é o PAC", afirma a ministra, referindo-se a um possível cenário de corte de despesas provocado pelo agravamento da crise global. O problema do discurso oficial é o mesmo dos balanços apresentados para prestar contas do andamento das obras do PAC: entre os desejos do governo e a realidade, começa a se formar uma distância enorme. Mudar essa postura é fundamental para evitar que o programa não caia na vala comum das siglas que os marqueteiros de Brasília costumam lançar com estardalhaço, gerando a sensação de que agora a coisa vai. Depois do espetáculo de propaganda, porém, os problemas permanecem.

Por Bêni Biston -REVISTA EXAME

 

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